Questões de Português retiradas das provas anteriores do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM
O mistério do brega
Famoso no seu tempo, o marechal Schõnberg (1615-90) ditava a moda em Lisboa, onde seu nome foi aportuguesado para Chumbergas. Consta que ele foi responsável pela popularização dos vastos bigodes tufados na Metrópole. Entre os adeptos estaria o governador da província de Pernambuco, o português Jerônimo de Mendonça Furtado, que, por isso, aqui ganhou o apelido de Chumbregas - variante do aportuguesado Chumbergas. Talvez por ser um homem não muito benquisto na Colônia, o apelido deu origem ao adjetivo xumbrega: “coisa ruim”, “ordinária”. E talvez por ser um homem também da folia, surgiu o verbo xumbregar, que inicialmente teve o sentido de “embriagar-se” e depois veio a adquirir o de “bolinar”, “garanhar”. Dedução lógica: de coisa ruim a bebedeira e atos libidinosos, as palavras xumbrega ou xumbregar chegaram aos anos 60 do século XX na forma reduzida brega, designando locais onde se bebe, se bolina e se ouvem cantores cafonas. E o que inicialmente era substantivo, “música de brega”, acabou virando adjetivo, “música brega” - numa já distante referência a um certo marechal alemão chamado Schõnberg.
ARAÚJO, P. C. Revista USP, n. 87, nov. 2010 (adaptado).
O texto trata das mudanças linguísticas que resultaram na palavra “brega”. Ao apresentar as situações cotidianas que favoreceram as reinterpretações do seu sentido original, o autor mostra a importância da
A) interação oral como um dos agentes responsáveis pela transformação do léxico do português.
B) compreensão limitada de sons e de palavras para a criação de novas palavras em português.
C) eleição de palavras frequentes e representativas na formação do léxico da língua portuguesa.
D) interferência da documentação histórica na constituição do léxico.
E) realização de ações de portugueses e de brasileiros a fim de padronizar as variedades linguísticas lusitanas.
Revolução digital cria a era do leitor-sujeito
Foi-se uma vez um leitor. Com a revolução digital, quem lê passa a ter voz no processo de leitura. “Até outro dia, as críticas literárias eram exclusividade de um grupo fechado, assim como em tantas outras áreas. Agora, temos grupos que conversam, trocam, se manifestam em tempo real, recomendam ou desaprovam, trocam ideias com os autores, participam ativamente da construção de obras literárias coletivas. Isso é um jeito novo de pensar a escrita, de construir memória e o próprio conhecimento”, analisa uma professora de comunicação da PUC-MG.
A secretária Fabiana Araújo, 32, é uma “leitora-sujeito”, como Daniela chama esses novos atores do universo da leitura. Leitora assídua desde o final da adolescência, quando foi seduzida pela série Harry Potter, só neste ano já leu mais de 30 títulos. Suas leituras não costumam terminar quando fecha um livro. Fabiana escreve resenhas de títulos como Estilhaça-me, romance fantástico na linha de Crepúsculo, publicadas em um blog com o qual foi convidada a colaborar. “Escrever sobre um livro é uma forma de relê-lo. E conversar, pessoal ou virtualmente, com outros leitores também”, defende.
FANTINI, D. Jornal Pampulha, n. 1138, maio 2012 (adaptado).
As sequências textuais “Até outro dia” e “agora” auxiliam a progressão temática do texto, pois delimitam
A) o perfil social dos envolvidos na revolução digital.
B) o limite etário dos promotores da revolução digital.
C) os períodos pré e pós revolução digital.
D) a urgência e a rapidez da revolução digital.
E) o alcance territorial da leitura digital.
Pedra sobre pedra
Algumas fazendas gaúchas ainda preservam as taipas, muros de pedra para cercar o gado. Um tipo de cerca primitiva. Não há nada que prenda uma pedra na outra, cuidadosamente empilhadas com altura de até um metro. Engenharia simples que já dura 300 anos. A mesma técnica usada no mangueirão, uma espécie de curral onde os animais ficavam confinados à noite. As taipas são atribuídas aos jesuítas. O objetivo era domar o gado xucro solto nos campos pelos colonizadores espanhóis.
FERRI, M. Revista Terra da Gente, n. 96, abr. 2012.
Um texto pode combinar diferentes funções de linguagem. Exemplo disso é Pedra sobre pedra, que se vale da função referencial e da metalinguística. A metalinguagem é estabelecida
A) por tempos verbais articulados no presente e no pretérito.
B) pelas frases simples e referência ao ditado “não ficará pedra sobre pedra”.
C) pela linguagem impessoal e objetiva, marcada pela terceira pessoa.
D) pela definição de termos como “taipa” e “mangueirão”.
E) por adjetivos como “primitivas” e “simples”, indicando o ponto de vista do autor.
O texto sugere que a mobilidade é uma questão crucial para a vida nas cidades. Nele, destaca-se a necessidade de
A) incorporar meios de transportes diversos para viabilizar o deslocamento urbano.
B) investir em transportes de baixo custo para minimizar os impactos ambientais.
C) ampliar a quantidade de transportes coletivos para atendertoda a população.
D) privilegiar meios alternativos de transporte para garantira mobilidade.
E) adotar medidas para evitar o uso de transportes motorizados.
Como se vai de São Paulo a Curitiba (1928)
Os tempos mudaram.
O mundo contemporâneo pulsa em ritmos acelerados. Novos fatores revelam conveniência de outros métodos.
Surgem, no decurso dos nossos dias, motivos que nos convencem de que cada município deve levar a sério o problema da circulação rodoviária.
Para facilitar a ação administrativa.
Para uma revisão das suas possibilidades econômicas.
Ritmo de ruralização.
Costurar o país com estradas alegres, desligadas de horários. Livres e cheias de sol como um verso moderno!
BOPP, R. Poesia completa de Raul Bopp. Rio de Janeiro: José Olympio; São Paulo: Edusp, 1998 (fragmento).
Nos anos de 1920, a necessidade de modernizar o Brasil refletiu-se na proposta de renovação estética defendida por artistas modernistas como Raul Bopp. No poema, o posicionamento favorável às transformações da sociedade brasileira aparece diretamente relacionado à experimentação na poesia. A relação direta entre modernização e procedimento estético no poema deve-se à correspondência entre
A) a discussão de tema técnico e a fragmentação da linguagem.
B) a afirmação da mudança dos tempos e a inovação vocabular.
C) a oposição à realidade rural do país e a simplificação da sintaxe.
D) a adesão ao ritmo de vida urbano e a subjetividade da linguagem.
E) a exortação à ampla difusão das estradas e a liberdade dos versos.
A pintura Napoleão cruzando os Alpes, do artista francês Jacques Louis-David, produzida em 1801, contempla as características de um estilo que
A) utiliza técnicas e suportes artísticos inovadores.
B) reflete a percepção da população sobre a realidade.
C) caricaturiza episódios marcantes da história europeia.
D) idealiza eventos históricos pela ótica de grupos dominantes.
E) compõe obras com base na visão crítica de artistas consagrados.
Chegou de Montes Claros uma irmã da nora de tia Clarinha e foi visitar tia Agostinha no Jogo da Bola. Ela é bonita, simpática e veste-se muito bem. [...] Ficaram todas as tias admiradas da beleza da moça e de seus modos políticos de conversar. Falava explicado e tudo muito correto. Dizia “você” em vez de “ocê”. Palavra que eu nunca tinha visto ninguém falar tão bem; tudo como se escreve sem engolir um s nem um r. Tia Agostinha mandou vir uma bandeja de uvas e lhe perguntou se ela gostava de uvas. Ela respondeu: “Aprecio sobremaneira um cacho de uvas, Dona Agostinha.” Estas palavras nos fizeram ficar de queixo caído. Depois ela foi passear com outras e laiá aproveitou para lhe fazer elogios e comparar conosco. Ela dizia: “Vocês não tiveram inveja de ver uma moça [...] falar tão bonito como ela? Vocês devem aproveitar a companhia dela para aprenderem”. [...] Na hora do jantar eu e as primas começamos a dizer, para enfezar laiá: “Aprecio sobremaneira as batatas fritas”, “Aprecio sobremaneira uma coxa de galinha”.
MORLEY, H. Minha vida de menina: cadernos de uma menina provinciana nos fins do século XIX. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.
Nesse texto, no que diz respeito ao vocabulário empregado pela moça de Montes Claros, a narradora expõe uma visão indicativa de
A) descaso, uma vez que desaprova o uso formal da língua empregado pela moça.
B) ironia, uma vez que incorpora o vocabulário formal da moça na situação familiar.
C) admiração, pelo fato de deleitar-se com o vocabulário empregado pela moça.
D) antipatia, pelo fato de cobiçar os elogios de laiá sobre a moça.
E) indignação, uma vez que contesta as atitudes da moça.
Ainda os equívocos no combate aos estrangeirismos
Por que não se reconhece a existência de norma nas variedades populares? Para desqualificá-las? Por que só uma norma é reconhecida como norma e, não por acaso, a da elite?
Por tantos equívocos, só nos resta lamentar que algumas pessoas, imbuídas da crença de que estão defendendo a língua, a identidade e a pátria, na verdade estejam reforçando velhos preconceitos e imposições. O português do Brasil há muito distanciou-se do português de Portugal e das prescrições dos gramáticos, cujo serviço às classes dominantes é definir a língua do poder em face de ameaças - internas e externas.
ZILLES, A. M. S. In: FARACO, C. A. (Org.). Estrangeirismos: guerras em torno da língua. São Paulo: Parábola, 2004 (adaptado).
O texto aborda a linguagem como um campo de disputas e poder. As interrogações da autora são estratégias que conduzem ao convencimento do leitor de que
A) o português do Brasil é muito diferente do português de Portugal.
B) as prescrições dos gramáticos estão a serviço das classes dominantes.
C) a norma linguística da elite brasileira é a única reconhecida como tal.
D) o português do Brasil há muito distanciou-se das prescrições dos gramáticos.
E) a desvalorização das variedades linguísticas populares tem motivação social.
A carreira nas alturas
A água está no joelho dos profissionais do mercado. As fragilidades na formação em Língua Portuguesa têm alimentado um campo de reciclagem em Português nas escolas de idiomas e nos cursos de graduação para pessoas oriundas do mundo dos negócios. O que antes era restrito a profissionais de educação e comunicação, agora já faz parte da rotina de profissionais de várias áreas. Para eles, a Língua Portuguesa começa a ser assimilada como uma ferramenta para o desempenho estável. Sem ela, o conhecimento técnico fica restrito à própria pessoa, que não sabe comunicá-lo.
"Embora algumas atuações exijam uma produção oral ou escrita mais frequente, como docência e advocacia, muitos profissionais precisam escrever relatório, carta, comunicado, circular. Na linguagem oral, todos têm de expressar-se de forma convincente nas reuniões, para ganhar respeito e credibilidade. Isso vale para todos os cargos da hierarquia profissional"-explica uma professora de Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
NATALI, A. Revista Língua, n. 63, jan. 2011 (adaptado).
Nos usos cotidianos da língua, algumas expressões podem assumir diferentes sentidos. No texto, a expressão “a água está no joelho” remete à
A) exigência de aprofundamento em conhecimentos técnicos.
B) demanda por formação profissional de professores e advogados.
C) procura por escolas de idiomas para o aprendizado de línguas.
D) melhoria do desempenho profissional nas várias áreas do conhecimento.
E) necessidade imediata de aperfeiçoamento das habilidades comunicativas.
o::... o Brasil... no meu ponto de vista... entendeu? o país só cresce através da educação... entendeu? Eu penso assim... então quer dizer... você dando uma prioridade pra... pra educação... a tendência é melhorar mais... entendeu? e as pessoas... como eu posso explicar assim? as pessoas irem... tomando conhecimento mais das coisas... né? porque eu acho que a pior coisa que tem é a pessoa alienada... né? a pessoa que não tem noção de na::da... entendeu?
Trecho da fala de J. L, sexo masculino, 26 anos. In: VOTRE, S.; OLIVEIRA, M. R. (Coord.). A língua falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro. Disponível em: www.discursoegramatica.letras.ufrj.br. Acesso em: 4 dez. 2012.
A língua falada caracteriza-se por hesitações, pausas e outras peculiaridades. As ocorrências de “entendeu” e “né”, na fala de J. L., indicam que
A) a modalidade oral apresenta poucos recursos comunicativos, se comparada à modalidade escrita.
B) a língua falada é marcada por palavras dispensáveis e irrelevantes para o estabelecimento da interação.
C) o enunciador procura interpelar o seu interlocutor para manter o fluxo comunicativo.
D) o tema tratado no texto tem alto grau de complexidade e é desconhecido do entrevistador.
E) o falante manifesta insegurança ao abordar o assunto devido ao gênero ser uma entrevista.
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