Questões de Português retiradas das provas anteriores do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM
Chamou-me o bragantino e levou-me pelos corredores e pátios até ao hospício propriamente. Aí é que percebi que ficava e onde, na seção, na de indigentes, aquela em que a imagem do que a Desgraça pode sobre a vida dos homens é mais formidável. O mobiliário, o vestuário das camas, as camas, tudo é de uma pobreza sem par. Sem fazer monopólio, os loucos são da proveniência mais diversa, originando-se em geral das camadas mais pobres da nossa gente pobre. São de imigrantes italianos, portugueses e outros mais exóticos, são os negros roceiros, que teimam em dormir pelos desvãos das janelas sobre uma esteira esmolambada e uma manta sórdida; são copeiros, cocheiros, moços de cavalariça, trabalhadores braçais. No meio disto, muitos com educação, mas que a falta de recursos e proteção atira naquela geena social.
BARRETO, L. Diário do hospício e O cemitério dos vivos. São Paulo: Cosac& Naify, 2010.
No relato de sua experiência no sanatório onde foi interno, Lima Barreto expõe uma realidade social e humana marcada pela exclusão. Em seu testemunho, essa reclusão demarca uma
A) medida necessária de intervenção terapêutica.
B) forma de punição indireta aos hábitos desregrados.
C) compensação para as desgraças dos indivíduos.
D) oportunidade de ressocialização em um novo ambiente.
E) conveniência da invisibilidade a grupos vulneráveis e periféricos.
O passado na tela do computador
Um dos desafios do novo Museu da Imigração é se contrapor à imagem deixada pela exibição do acervo permanente na época do Memorial do Imigrante, muito criticada por dar ênfase demasiada aos imigrantes estrangeiros e pouca atenção aos brasileiros. Era uma representação desproporcional em relação aos números: dos 3,5 milhões de pessoas que passaram pela hospedaria de imigrantes de São Paulo, aproximadamente 1,9 milhão eram estrangeiras (de 75 nacionalidades e etnias) e 1,6 milhão eram brasileiras, oriundas, principalmente, dos estados nordestinos.
HEBMÜLLER, P. Problemas brasileiros, n. 414, nov.-dez. 2012 (adaptado).
O autor do texto sobre a digitalização do acervo do novo Museu da Imigração apresenta a ênfase no imigrante estrangeiro como um problema de representação equivocada da imigração em São Paulo. Para tanto, fundamenta seu ponto de vista no(a)
A) panorama apresentado como a atual realidade do imigrante em São Paulo.
B) uso da tecnologia para aprimorar a imagem do imigrante em São Paulo.
C) diferença entre o Memorial do Imigrante e os demais museus existentes em São Paulo.
D) diversidade de nacionalidades e etnias como parâmetro da imigração em São Paulo.
E) desequilíbrio nas representações usuais dos imigrantes em São Paulo.
Escrever
A estudante perguntou como era essa coisa de escrever.
Eu fiz o gênero fofo. Moleza, disse.
Primeiro evite esses coloquialismos de “fofo” e “moleza”, passe longe das gírias ainda não dicionarizadas e de tudo mais que soe mais falado do que escrito. Isto aqui não é rádio FM. De vez em quando, aplique uma gíria como se fosse um piparote de leve no cangote do texto, mas, em geral, evite. Fuja dessas rimas bobinhas, desses motes sonoros. O leitor pode se achar diante de um rapper frustrado e dar cambalhotas. Mas, atenção, se soar muito estranho, reescreva.
Quando quiser aplicar um “mas”, tome fôlego, ligue para o 0800 do Instituto Fernando Pessoa, peça autorização ao sábio de plantão, e, por favor, volte atrás. É um cacoete facilitador. Dele deve ter vindo a expressão “cheio de mas-mas”, ou seja, uma pessoa cheia de “não é bem assim”, uma chata que usa o truque para afirmar e depois, como se fosse estilo, obtemperar.
SANTOS, J. F. O Globo, 10jan. 2011 (adaptado).
A língua varia em função de diferentes fatores. Um deles é a situação em que se dá a comunicação. Na crônica, ao ser interrogado sobre a arte de escrever, o autor utiliza, em meio à linguagem escrita padrão, condizente com o contexto,
A) definições teóricas, para permitir que seus conselhos sejam úteis aos futuros jornalistas.
B) gírias não dicionarizadas, para imitar a linguagem de jovens de baixa escolaridade.
C) palavras de uso coloquial, para estabelecer uma interação satisfatória com a interlocutora.
D) termos da linguagem jornalística, para causar boa impressão na jovem entrevistadora.
E) vocabulário técnico, para ampliar o repertório linguístico dos jovens leitores do jornal.
Naquele tempo eu morava no Calango-Frito e não acreditava em feiticeiros.
E o contrassenso mais avultava, porque, já então, - e excluída quanta coisa-e-sousa de nós todos lá, e outras cismas corriqueiras tais: sal derramado; padre viajando com a gente no trem; não falar em raio: quando muito, e se o tempo está bom, “faísca”; nem dizer lepra; só o “mal”; passo de entrada com o pé esquerdo; ave do pescoço pelado; risada renga de suindara; cachorro, bode e galo, pretos; [...] - porque, já então, como ia dizendo, eu poderia confessar, num recenseio aproximado: doze tabus de não uso próprio; oito regrinhas ortodoxas preventivas; vinte péssimos presságios; dezesseis casos de batida obrigatória na madeira; dez outros exigindo a figa digital napolitana, mas da legítima, ocultando bem a cabeça do polegar; e cinco ou seis indicações de ritual mais complicado; total: setenta e dois - noves fora, nada.
ROSA, J. G. São Marcos. Sagarana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967 (adaptado).
João Guimarães Rosa, nesse fragmento de conto, resgata a cultura popular ao registrar
A) trechos de cantigas.
B) rituais de mandingas.
C) citações de preceitos.
D) cerimônias religiosas.
E) exemplos de superstições.
“Ela é muito diva!”, gritou a moça aos amigos, com uma câmera na mão. Era a quinta edição da Campus Party, a feira de internet que acontece anualmente em São Paulo, na última terça-feira, 7. A diva em questão era a cantora de tecnobrega Gaby Amarantos, a “Beyoncé do Pará”. Simpática, Gaby sorriu e posou pacientemente para todos os cliques. Pouco depois, o rapper Emicida, palestrante ao lado da paraense e do também rapper MV Bill, viveria a mesma tietagem. Se cenas como essa hoje em dia fazem parte do cotidiano de Gaby e Emicida, ambos garantem que isso se deve à dimensão que suas carreiras tomaram através da internet — o sucesso na rede era justamente o assunto da palestra. Ambos vieram da periferia e são marcados pela disponibilização gratuita ou a preços muito baixos de seus discos, fenômeno que ampliou a audiência para além dos subúrbios paraenses e paulistanos. A dupla até já realizou uma apresentação em conjunto, no Beco 203, casa de shows localizada no Baixo Augusta, em São Paulo, frequentada por um público de classe média alta.
Disponível em: www.cartacapital.com.br. Acesso em: 28 fev. 2012 (adaptado).
As ideias apresentadas no texto estruturam-se em torno de elementos que promovem o encadeamento das ideias e a progressão do tema abordado. A esse respeito, identifica-se no texto em questão que
A) a expressão “pouco depois”, em “Pouco depois, o rapper Emicida”, indica permanência de estado de coisas no mundo.
B) o vocábulo “também”, em “e também rapper MV Bill”, retoma coesivamente a expressão “o rapper Emicida”.
C) o conectivo “se”, em “Se cenas como essa”, orienta o leitor para conclusões contrárias a uma ideia anteriormente apresentada.
D) o pronome indefinido “isso”, em “isso se deve”, marca uma remissão a ideias do texto.
E) as expressões “a cantora de tecnobrega Gaby Amarantos, a ‘Beyoncé do Pará'", “ambos” e “a dupla” formam uma cadeia coesiva por retomarem as mesmas personalidades.
Anoitecer
A Dolores
É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas,
apitos aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.
[...]
É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz — morte — mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.
Hora de delicadeza,
agasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.
ANDRADE, C. D. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 2005 (fragmento).
>A) defesa da esperança como forma de superação das atrocidades da guerra.
B) desejo de resistência às formas de opressão e medo produzidas pela guerra.
C) olhar pessimista das instituições humanas e sociais submetidas ao conflito armado.
D) exortação à solidariedade para a reconstrução dos espaços urbanos bombardeados.
E) espírito de contestação capaz de subverter a condição de vítima dos povos afetados.
Entre as funções de um cartaz, está a divulgação de campanhas. Para cumprir essa função, as palavras e as imagens desse cartaz estão combinadas de maneira a
A) evidenciar as formas de contágio da tuberculose.
B) mostrar as formas de tratamento da doença.
C) discutir os tipos da doença com a população.
D) alertar a população em relação à tuberculose.
E) combater os sintomas da tuberculose.
eu acho um fato interessante... né... foi como meu pai e minha mãe vieram se conhecer... né... que... minha mãe morava no Piauí com toda família... né... meu... meu avô... materno no caso... era maquinista... ele sofreu um acidente... infelizmente morreu... minha mãe tinha cinco anos... né... e o irmão mais velho dela... meu padrinho... tinha dezessete e ele foi obrigado a trabalhar... foi trabalhar no banco... e... ele foi... o banco... no caso... estava... com um número de funcionários cheio e ele teve que ir para outro local e pediu transferência prum local mais perto de Parnaíba que era a cidade onde eles moravam e por engano o... o... escrivão entendeu Paraíba... né... e meu... e minha família veio parar em Mossoró que era exatamente o local mais perto onde tinha vaga pra funcionário do Banco do Brasil e:: ela foi parar na rua do meu pai... né... e começaram a se conhecer... namoraram onze anos... né... pararam algum tempo... brigaram... é lógico... porque todo relacionamento tem uma briga... né... e eu achei esse fato muito interessante porque foi uma coincidência incrível... né... como vieram a se conhecer... namoraram e hoje... e até hoje estão juntos... dezessete anos de casados...
CUNHA, M. A. F. (Org.). Corpus, discurso & gramática: a língua falada e escrita na cidade de Natal. Natal: EdUFRN, 1998
Na produção dos textos, orais ou escritos, articulamos as informações por meio de relações de sentido. No trecho de fala, a passagem “brigaram... é lógico... porque todo relacionamento tem uma briga”, enuncia uma justificativa em que "brigaram" e "todo relacionamento tem uma briga" são, respectivamente,
A) causa e consequência.
B) premissa e conclusão.
C) meio e finalidade.
D) exceção e regra.
E) fato e generalização.
Noites do Bogart
O Xavier chegou com a namorada mas, prudentemente, não a levou para a mesa com o grupo. Abanou de longe. Na mesa, as opiniões se >
— Pouca vergonha.
— Deixa o Xavier.
— Podia ser a filha dele.
— Aliás, é colega da filha dele. Na sua mesa, o Xavier pegara na mão da moça.
— Está gostando?
— Pô. Só.
— Chocante, né? — disse o Xavier. E depois ficou na dúvida. Ainda se dizia “chocante”?
Beberam em silêncio. E ele disse:
— Quer dançar?
E ela disse, sem pensar:
— Depois, tio.
E Acaram em silêncio. Ela pensando “será que ele ouviu?”. E ele pensando “faço algum comentário a respeito, ou deixo passar?”. Decidiu deixar passar. Mas, pelo resto da noite aquele “tio” ficou em cima da mesa, entre os dois, latejando como um sapo. Ele a levou em casa. Depois voltou. Sentou com os amigos.
— Aí, Xavier. E a namorada?
Ele não respondeu.
VERISSIMO, L. F O melhor das comédias da vida privada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
>A) do registro inadequado para a interlocução em contexto romântico.
B) da iniciativa em discutir formalmente a relação amorosa.
C) das avaliações de escolhas lexicais pelos frequentadores do bar.
D) das gírias distorcidas intencionalmente na fala do namorado.
E) do uso de expressões populares nas investidas amorosas do homem.
Certa vez, eu jogava uma partida de sinuca, e só havia a bola sete na mesa. De modo que a mastiguei lentamente saboreando-lhe os bocados com prazer. Refiro-me à refeição que havia pedido ao garçom. Dei-lhe duas tacadas na cara. Estou me referindo à bola. Em seguida, saí montando nela e a égua, de que estou falando agora, chegou calmamente à fazenda de minha mãe. Fui encontrá-la morta na mesa, meu irmão comia-lhe uma perna com prazer e ofereceu-me um pedaço: “Obrigado”, disse eu, “já comi galinha no almoço”.
Logo em seguida, chegou minha mulher e deu-me na cara. Um beijo, digo. Dei-lhe um abraço. Fazia calor. Daí a pouco minha camisa estava inteiramente molhada. Refiro-me a que estava na corda secando, quando começou a chover. Minha sogra apareceu para apanhar a camisa.
Não tive remédio senão esmagá-la com o pé. Estou falando da barata que ia trepando na cadeira. Malaquias, meu primo, vivia com uma velha de oitenta anos. A velha era sua avó, esclareço.
Malaquias tinha dezoito filhos, mas nunca se casou. Isto é, nunca se casou com uma mulher que durasse mais de um ano. Agora, sentado à nossa frente, Malaquias fura o coração com uma faca. Depois corta as pernas e o sangue do porco enche a bacia.
Nos bons tempos passeávamos juntos. Eu tinha um carro. Malaquias tinha uma namorada. Um dia rolou a ribanceira. Me refiro a Malaquias. Entrou pela pretória adentro arrebentando porta e parou resfolegante junto do juiz pálido de susto. Me refiro ao carro. E a Malaquias.
FERNANDES, M. Trinta anos de mim mesmo. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
>A) confirmar.
B) contradizer.
C) destacar.
D) retificar.
E) sintetizar.
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